Sobre a Obra

O argumento central dessa prosa é a condição de existir e não pertencer, mais especificamente, de existir como cientista social no campo da saúde e não pertencer a ele. Essa condição não só minha, mas de muitos e muitas que fizeram movimentos de diásporas, por opção ou falta de opção, e que estão “longe o suficiente para experimentar o sentimento de exílio e perda, perto o suficiente para entender o ‘enigma’ de uma chegada sempre adiada” (Hall, 2003, p. 415). Investigar a minha condição de existir e não pertencer exigiu debruçar-me sobre minhas autorrepresentações culturais, para compreender como as representações culturais sobre mim ganharam corpos extensos e intensos. Investiguei o que “in-corporei-em-mim” e os modos do que vive nesse corpo e para esse corpo, isto é, o que está entranhado na profundeza dos meus intestinos e condiciona as minhas mais secretas iniciativas, inspirações, intuições, aspirações, escolhas e todas as outras condicionalidades do complexo perceber-sentir-pensar-fazer. O percurso autoetnográfico é um exercício sociológico, pois envolve a condição relacional do poder em mim e sobre mim, para construir- -descontruir-reconstruir identidades, diferenças, sentidos, significados, representações, regimes de verdade, autonomias, emancipações e toda ordem de práticas culturais. Esse percurso “socio-lógico” é uma autoescavação que me aproxima de muitos outros corpos que se experimentam em lugares sociais que nunca foram plenamente seus e/ou que eles nunca quiseram pertencer.

Esses corpos desterritorializados balizaram a construção da minha prosa. Dialoguei com muitos e muitas! […]  Todos e todas me guiaram, mas os excessos e erros nessa prosa são meus. Pode ser que minhas reflexões estejam alicerçadas em muitos equívocos, mas a tentativa foi de sustentar o pressuposto de que a chance de construir experiências melhores para todos está na construção de consensos lastreados nas diferenças, já que o mais semelhante no universo é a existência das diferenças. […]  Eu gosto do que me tornei nessa interpretação incompleta do que vive em mim e não me define. Minha prosa não se encerra aqui e será melhorada no diálogo com outras prosas. Apenas introduzi o debate sobre existir cientista social no campo da saúde e não pertencer a ele, somente iniciei a exploração do meu corpo diaspórico-estranho-ambivalente, apenas torço para que minhas interpretações estimulem e protejam outras. 

Mês e ano de publicação: dezembro de 2023

Organizadores: Nelson Filice de Barros - Prefácio de Pedro Paulo Gomes Pereira
ISBN: 978-65-5462-082-6
DOI: 10.18310/9786554620826

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